RELATO DE PARTO - HELENA E PACO
No sábado dia 04/01/2020 completamos 41 semanas de gestação. Foi bem diferente de quando, no sábado anterior, ainda no ano de 2019 (rs) completamos 40 semanas. Completar 40 semanas foi festa; estava feliz que tinha passado o natal (data que eu não queria muito que nascesse), que tínhamos conseguido chegar às 40 semanas num país historicamente cesarista; com saúde, respeito, e muito amor. Foi dia de comemorar: fomos à praia, desfilei com meu barrigão que eu tanto amei, tiramos fotos lindas, vimos o pôr do sol no arpoador. Aplaudimos aquele espetáculo da natureza, e agradeci por ela ser perfeita, fora e dentro de mim. Depois ainda jantamos fora, aproveitamos bem em casal, o nosso tempo a dois, fizemos amor. Eu estava muito feliz!
Já no sábado seguinte, quando completei 41 semanas, foi bem diferente.. No dia anterior a minha equipe me informou que teria que fazer um cardiotoco para verificar se estava tudo bem, se de fato poderíamos esperar mais aquela semana. Ir à maternidade fazer o CTG me deu muito medo, sabia que o protocolo do estado é internar com 41 semanas para indução. E tudo que eu mais queria era fugir de ambiente hospitalar e de médicos - também por isso a escolha pelo parto domiciliar. Comecei a pensar na indução natural, fiquei muito nervosa, angustiada, chorei. Rafael estava do meu lado e me abraçou, me consolou e me tranquilizou.
Naquela noite fomos jantar com amigos no outback (de certa forma, começamos aqui a indução rs).
Bom, no dia seguinte de manhã fomos à Maternidade Maria Amélia fazer o cardiotoco e uma das enfermeiras obstétricas da minha equipe nos acompanhou (Vivi maravilhosa!). Isso me tranquilizou muito. Chegando lá foi tudo super tranquilo e bem rápido, fizemos o ctg e estava tudo lindo! As contrações (que eu fiquei chamando de “de treinamento” até o último segundo) e os batimentos do bebê, estava tudo perfeito. Ufa! Voltamos pra casa, e a Vivi veio com a gente, e me fez uma sessão de mosha e auriculoterapia. Iniciamos a indução natural!
Depois ainda fomos para a lapa, lembramos que era o primeiro sábado do mês e fomos para a Feira do Lavradio. Andamos muito.
Na manhã seguinte, ao ir ao banheiro, me deparei com secreção com sangue. Mandei foto para a equipe e elas confirmaram que era o tampão mucoso com sangue do colo. Me lembraram que ficasse tranquila, pois mesmo com tampão começando a sair ainda poderia demorar horas ou dias para a chegada do meu filho. Mas sim, era manhã de domingo, e eu já escutava os seus sinais!
Eu tinha acordado com desejo de agua de côco, e como era domingo, fomos para a feira da Glória. De novo, andamos muito. Passamos o dia fora. E as “contrações de treinamento” seguiam. Incomodavam um pouco, e depois eu as esquecia. (Hoje em dia eu reconheço que lidar de forma bem tranquila com os pródromos e de certa forma nunca achar que era “a hora” me ajudou muito a levar o trabalho de parto)
Chegamos em casa tarde, deitamos um pouco, conversamos.. Lemos mais algumas páginas do livro que me acompanhou durante a gestação e que foi de muita importância ( _Origens mágicas, vidas encantadas: um guia holístico para a gravidez e o nascimento_ , super recomendo!)
Já lá pra umas dez da noite tive desejo de comer pizza, ligamos para uma pizzaria perto de casa, e pedimos. Mas como era perto de casa (e eu estava na onda de caminhar muito) decidimos ir comer lá no restaurante. Lá fui eu subir ladeira a noite em Santa Teresa com 41+1. E com “contrações de treinamento” rs.
Comi aquela pizza gigante muito feliz até o momento em que um carro da PM parou na frente do restaurante e indicou que ele fechasse por uma questão de segurança. Mas não sabíamos qual era a questão. Rafa e eu ficamos preocupados, menos com a situação em si, mas mais porque sabíamos que a adrenalina era um dos hormônios que poderia atrapalhar a evolução do tp.. terminamos de comer rápido, pensamos em pedir um uber para voltar pra casa (duas quadras de distância).. Resumindo: depois a dona do restaurante nos esclareceu a situação e nao era nada de mais.. Mas na hora foi uma aventura!
Chegamos em casa, e logo nos deitamos. Nos demos boa noite por volta de meia noite. Rafa dormiu, e eu fiquei tentando dormir, sentindo incômodos, mudando de posição, sentindo mais incômodos.. contrações! (“de treinamento” rs). Quando peguei o celular vi que era mais de 2h da manhã e eu ainda não havia conseguido dormir, e resolvi mandar mensagem para a equipe. (Temos um grupo no whatsapp com toda a equipe de enfermeiras da Sifrá, Camille a doula, Rafa e eu. Que inclusive foi ótimo, para a nossa comunicação toda, e continua sendo, para manter o contato - e inclusive para me ajudar a escrever isso daqui). Falei das contrações, das dores na lombar.. e as enfermeiras prontamente me responderam, e me indicaram tentar tomar um banho quente. Quando fui ao banheiro vi que tinha saído mais secreção com sangue (tampão com sangue do colo) e me senti passando meio mal, com vontade de vomitar e evacuar. Consegui fazer cocô e isso aliviou. Tomei o banho, e a água quente na lombar de fato aliviava as dores. Mas depois voltei pra cama para tentar descansar e durante as contrações era muito ruim ficar deitada. Nesse momento, quando voltei para a cama, já eram quase 3h da manhã, e ao chegar na cama o Rafa estava sonhando e falando durante o sono: “Estamos aqui. Pode vir que a gente tá pronto filhote!”. Eu achei aquilo bonito, mas a ficha não caiu.
(Depois ficamos sabendo que naquela mesma madrugada mais pessoas tiveram sonhos com a chegada do Paco, bem fortes, pessoas que nunca tinham estado na nossa casa visualizaram nosso quarto - local onde ele acabou nascendo. A conexão era forte, entre a gente, ele, a natureza, amigos, e familiares)
“Estamos aqui. Pode vir que a gente tá pronto filhote!”. Compartilhei essa fala do Rafa no grupo de whatsapp com a equipe, as meninas mandaram risos e corações, e assim, segui meu trabalho de parto (que eu naquele momento não sabia, mas já tinha começado). Acordei o Rafa, que logo agilizou bolsas de água quente e abriu o aplicativo que tínhamos baixado poucos dias antes para contar as contrações. Enquanto isso voltei para o banho quente, e ali, com o Rafa do meu lado, chorei de dor no chuveiro. Durante as contrações era muita dor! Saí do banho, apliquei as bolsas de água quente na lombar, e isso ajudava muito! Contamos, e as contrações ainda estavam muito espaçadas.
Naquele momento algo em mim soube que era hora de mergulhar.
A partir daqui não tenho todas as memórias claras, eu estava imersa, conectada com algo intuitivo e selvagem (? Me falha palavra para descrever mas sinto que vinha muito de dentro!) mas lembro (e isso foi muito curioso) que tinha às vezes alguns poucos acessos ao racional. Era mesmo como se eu estivesse mergulhando em águas profundas e às vezes viesse à superfície e tinha alguma percepção da realidade (o que é real quando estamos passando por algo assim?) como quem toma um fôlego de ar.
Me veio o que tinha lido no Parto Ativo, do que tinha escrito no meu plano de parto, e de como me imaginava parindo. Comecei a me movimentar bastante, andava pela casa, sentava, levantava, me debruçava na janela.. E Rafael atrás de mim com o aplicativo contando as contrações, rs. (Para isso eu avisa a ele: “tá vindo, tá vindo, tá vindo. AAAAHH”). E elas de fato vinham como ondas, como tanto eu havia escutado falar. Vinham, aumentavam de intensidade gradativamente, e abaixavam..
A maior parte do trabalho de parto eu passei na nossa sala, que tem uma janela bem grande de vidro com uma vista bem bonita para o vale de Santa Teresa, e uma poltrona do lado. (Essa poltrona eu quebrei a estrutura e arranquei a espuma durante alguma contração de muita dor e selvageria, mas isso eu conto depois rs). Eu lembro de passar a maior parte do tempo ali, junto àquela poltrona, olhando aquela vista.. Naquela madrugada chovia forte, e conforme as contrações ficam mais intensas, a chuva ficava também! Por volta de umas 4 da manhã chovia muito, tinham raios e trovões!
Isso para mim foi muito forte, como que a natureza me acompanhou no trabalho de parto, a paisagem fazia como que a trilha sonora do parto.
Ali segui, imersa nas minhas ondas das contrações, até umas 5 da manhã. Foi quando o Rafa (que mantinha a comunicação com a equipe) pediu que elas viessem, pois tinha chegado o momento em que eu não conseguia mais falar (segundo ele, no áudio “tá bem animalesca, soltando uns grunhidos..”)
A primeira enfermeira da equipe, a Carol, chegou umas 6 e pouca, e a Camille umas 6:30. Lembro de vê-las, de sentí-las, mas eu realmente estava em outro mundo!
A Carol me perguntou se podia auscultar o bebê e essa foi a única intervenção que tive no meu parto. Não teve toque, nao faço ideia de quanto tive de dilatação em nenhum momento.
Lembro que durante a ausculta tive um daqueles acessos ao racional e percebi como o aparelho já estava lá em baixo..
Em algum momento fui pro banheiro, sentei na privada, era uma mistura de dor, vontade de fazer coco, de fazer força.. Rafa estava do meu lado, me dava a mão.. Tenho a lembrança de sentir ele ao mesmo tempo muito presente, do meu lado, e ao mesmo tempo fazendo as coisas, conseguindo gerenciar bem o ambiente (como eu tanto pedi pra ele e escrevi no plano de parto), enchendo a piscina (que acabou que foi montada, enchida, e eu nem a vi rs).
Entrei no chuveiro, as contrações seguiam vindo com muita dor, a água já não ajudava mais tanto, e não conseguia ficar bem parada em pé. Acho que a Carol trouxe a banqueta e deu a ideia deu sentar nela debaixo do chuveiro. Foi ali, que numa contração bem forte, senti algo explodindo dentro de mim e tomei um susto! A bolsa rompeu. Era umas 7h e pouca e a segunda enfermeira, a Vivi, tinha chegado. Como estava no chuveiro não tive noção de quanto líquido saiu, qual o cheiro e se era mesmo parecido com água sanitária, que era algo que eu tinha curiosidade de saber… Tive esse acesso ao racional, pensei isso, e logo em seguida mergulhei de novo. Saí do chuveiro e fui pro quarto, pra cama.. ali acho que fiquei de quatro, depois deitei meio de lado..
Vocalizei muito! Me entreguei e me senti a vontade de gemer, gritar, enfim.. soltar diversos sons e fazer muito barulho. Na hora do expulsivo gritei muito! Tanto que nos dias seguintes fiquei com dor de garganta e a garganta arranhada. Lembro de nessa hora ter tido um daqueles lapsos de acesso ao racional e ter pensado e me preocupado com os vizinhos e aquela gritaria.
(Além dos gemidos e grunhidos a única coisa que conseguia falar durante o trabalho de parto era “Não é possível!”. Depois fiquei sabendo que Rafa e Camille acharam aquilo engraçado.. eu de vez em quando soltava essa frase.. “Não é possível..” Eles na hora não entendiam, mas o que eu pensava/sentia era que não era possível que todas as mulheres que pariram tinham passado por aquilo.. que para nossa humanidade existir todas as mães tinham que passar pela dor do parto e por aquele evento tão intenso.. Enfimmm)
Deitada na cama, me apoiava na mão do Rafa do lado direito (diz ele que quase quebrei o pulso dele uma hora) e do lado esquerdo a Camille.. as contrações vinham, eu gritava.. Uma hora começou a arder muito! Eu perguntei se podia colocar a mão, e lembro da Camille responder que sim, mas que eu não iria sentir a sua cabeça.. Então preferi nem colocar.. Ardia mais e mais.. Eu lembro de pensar em perguntar se era isso o tal círculo de fogo. Mas pensei que se a resposta fosse não, e que se ainda não tivesse coroando, eu iria me decepcionar.. então nem perguntei. Mas não deu outra.. aquele círculo de fogo, que mais me pareceu com um túnel de fogo porque sentia ele passando pelo meu canal e ardendo muuito, veio seguido de uma contração muito forte e a cabeça do Paco saiu. A próxima contração também veio muito forte, eu gritava muito alto e sentia como se todos meus ossos fossem quebrar, como se meu corpo fosse explodir de dentro para fora..
E explodiu! Explodiu em amor, em graça, em potência, em liberdade, em sabedoria.. E o corpinho todo do Paco saiu de um só vez. Ali, sendo assistida por aquelas mulheres maravilhosas, no nosso quarto, na nossa cama, às 7:53 da manhã, eu dei a luz, e Paco veio ao mundo. Com o sol raiando um lindo dia após aquela madrugada de chuva forte e trovoadas (lembram que eu falei que a natureza nos acompanhou, que a paisagem fez como a trilha sonora).
Paco veio direto pro meu colo e tivemos 2 horas inteirinhas de ouro. Dele no meu colo, no contato pele a pele, dele pegar no peito e mamar, de admiração do nó no cordão, de suspiros, beijinhos, e eu voltando aos poucos daquele outro mundo que eu estava..
A Placenta demorou quase uma hora para dequitar. Em algum momento a Camille falou no meu ouvido enquanto paria a placenta, que eu relaxasse, que meu filho já tinha nascido, que eu já era mãe.. e então pouco tempo depois ela nasceu também.
Depois das nossas horas de ouro Paco foi pesado, medido etc, na nossa própria cama, ao meu lado, Rafa cortou o cordão umbilical (e comeu um pedaço na hora), tiramos fotos, Camille fez um lindo carimbo da placenta como eu havia pedido, e parte da placenta foi batida naquele dia a tarde com açaí e eu e Rafa tomamos.
Tivemos todo o cuidado da equipe ao longo daquela manhã, e finalizamos tomando café da manhã juntxs.
Foi assim, sem intervenções, num parto domiciliar maravilhoso e super respeitoso, que Paco veio na manhã do dia 06/01, dia de Reis, após menos de 6 horas de trabalho de parto.
Muita gratidão, orgulho e admiração por essa equipe maravilhosa que me acompanhou nesse processo, a Sifrá Parteria, Camille, e todas as mulheres do Coletivo Fardo de Ternura!
E também pelo meu companheiro, Rafael, que esteve muito presente em todos os momentos. Que frequentou comigo as consultas coletivas do Fardo, as rodas de domingo, investiu tempo se preparando para o parto e a paternidade, fez o curso do Homem Paterno.. Ter total segurança e apoio dele foi fundamental nesse processo, e segue sendo no puerpério.
Investi muito em informação de qualidade, no meu empoderamento, na livre expressão e movimentação corporal, na conexão comigo mesma, com meu bebê, com meu feminino e com minha ancestralidade. E agradeço todos os dias por isso! Isso foi o mais importante!!
Acreditem muito no saber de cada parte dos nossos corpos, e respeitem esses saberes. Mulheres sabem parir e bebês sabem nascer. A natureza é perfeito e o nosso corpo também!
Parir foi a coisa mais incrível que eu já fiz!!!